Monção- Melgaço, uma velha estrada romântica (Parte I)
O que fará de uma velha estrada, que agora é somente usada para deslocações curtas, em especial de tractores pachorrentos, uma estrada perfeitamente romântica? A verdade é que pode não ser a Sintra de Seteais, Regaleira e Byron, mas o imaginário que se evoca nestes 25 quilómetros é bom demais para perder uma experiência supreendente e memorável. Traga a máquina fotográfica, palato lavado, vontade de relaxar porque, como diz o filme, esta estrada não é para gente apressada!
Se pensa que as estradas velhas são poeirentas e aborrecidas, provavelmente nunca pensou que o encanto que pode haver nestes locais, esquecidos por muitos, mas genuínos nas emoções que nos podem oferecer. Proponho desde já um resumo do que vos espera: palacetes ao estilo brasileiro, provas de Alvarinho, um capataz que comeu pernas de sapo, o tratado mais antigo do mundo, uns chocolates de lamber os dedos, um pavilhão termal do mais elegante que existe, um passeio a dois no parque, um tratamento spa a dois, uma posta de Sossego, uma Inês Negra, outra Arrenegada, um museu a salto, tanto e tanto para sentir neste outono. Cansados? Bom, tome uma boa manhã e parte da tarde para fazer tudo isto! Isto é Slow Turismo!
Outrora um sem fim de curvas e contracurvas que atrasavam quem queria chegar cedo, a antiga estrada nacional 202 que liga Monção a Melgaço começou por ser parte da Muralha de Monção, vila que foi crescendo e onde o amuralhado, antes fulcral para permitir a segurança mas a partir do século XIX tornou-se isso, um estorvo! Assim, para acomodar algumas das aspirações de alguns comerciantes que haviam emigrado para o Brasil e lá feito fortuna, parte do Baluarte de São Bento foi demolido, para se fazer a ligação entre Monção e Melgaço em 1882.
E é precisamente aqui que a Rota Cénica começa: mesmo paredes meias com o Hotel Rural Convento do Capuchos fica a Quinta de São Bento, um palacete bem ao estilo brasileiro, situado mesmo no fim da Muralha, numa zona que ficou conhecida pelas suas belas casas ao "estilo brasileiro", elas próprias influenciadas pelos revivalismos ao estilo italiano ou francês, vertidos no movimento da "Arte Nova". Este palacete, que curiosamente encontra um equivalente à entrada de Melgaço, impõe um sentido de verticalidade e de imponência, com destaque para a o trabalho de cantaria que se aprecia nas janelas, bem como nos beirais e algerozes do telhado, enriquecidos com pinturas de motivos florais. Imaginem o que seria viver aqui há mais de 100 anos!
Aprontemo-nos para sair de Monção (vila) e rasguemos pelo território do vinho Alvarinho, casta que brota deste terroir inimitável. Tome cuidado com as horas, porque a primeira paragem vai ser numa das quintas de produção deste vinho único onde melhor se recebe. Na Quinta das Pereirinhas, em Troviscoso (2km) uma empresa familiar que divide a produção vitivinícola com múltiplos afazeres domésticos, a recepção é sempre calorosa, e na visita guiada às vinhas adivinha-se alguns dos motivos que levam os seus vinhos a receberem o prestigiado galardão nacional Best of Vinho Verde, já em dois anos consecutivos. Não estando sempre de portas abertas, convirá contactar os proprietários para marcar uma visita, que farão de bom grado, podendo levar para a viagem um belo souvenir.
Não se esqueça da máquina fotográfica e do cartão, porque bem vai precisar. É que na Bela, a paisagem humana e natural é mesmo, isso, bela! Senão veja esta pequena galeria de motivos românticos que vai fazer parar o carro e apreciar alguns dos recantos desta estrada: a Fonte dos Burros, que matava a sede animais que traziam o carvão de Riba de Mouro e mercadorias de outros lugares, a capela de São Bento, com os motivos românicos na entrada, as casas de lavoura do final do século XIX, com ricos motivos arquitectónicos, em especial as armações de ferro das varandas.
Este troço da estrada entre Troviscoso e Bela é bem marcado por casas que estão fechadas parte do ano (por serem casas de pessoas que estão emigradas), casas abandonadas, mas também muitas casas ornamentadas por flores e ervas aromáticas como alecrim (aos molhos). Os castanheiros nestas época do ano conferem à paisagem a cor ocre de outono que sonhámos enquanto miúdos. Estas estão mesmo ao pé da estrada. Fotografe e recorde!
A próxima paragem não deixa dúvidas: esta é uma estrada de boas surpresas! Ao entrar em Barbeita, as cores do outono ganham contornos mais garridos, os recantos de casas escondem pormenores na pedra (ver post sobre o vilão Pedro Macau em aqui mesmo neste site em http://tinyurl.com/gr67ak5 - Uma-estrada-de-pedra ) e a estrada chega ao lugar da Ponte do (rio) Mouro, local célebre por ter sido palco de um encontro secreto que forjaria a aliança mais antiga do mundo: o tratado de Windsor entre Portugal e Inglaterra apalavrado pelo casamento combinado entre D. João I e a filha do herdeiro do trono de Inglaterra, D. Filipa de Lancaster (filha de John of Gaunt).
Como a carga histórica é muito forte, recentemente teve lugar um evento que reavivou a memória deste momento histórico. O "Ponte do Mouro Medieval" -que se realizou por alturas do 10 de Junho-retratou alguns quadros do que era a vida aquando da celebração deste contrato entre os dois países. Viveram-se momentos de boa disposição à mistura com bom entretenimento, que promete repetir a dose no próximo ano. Talvez mais um bom motivo para visitar o local.
Em boa verdade, o local tem muito mais para oferecer do que "apenas" a evocação de um grande acontecimento da história do ocidente. Este lugar era parte de caminho muito antigo vindo de Braga, Arcos de Valdevez em direcção a Valadares, Melgaço, S. Gregório e Serra da Peneda. Era a estrada real percorrida na Idade Média por almocreves, os homens da DHL da Idade Média! Aqui existe uma capela (S.Félix) com o santo conservado (!) local de peregrinação, uma capela que é uma verdadeira relíquia (Boa Morte), um rio com paisagens extraordinárias e um café/bar com vista privilegiada! O que se pode querer mais? Ah, e também existe um restaurante, o Ponte Velha, que de tempos a tempos tem noite de fados. Recomenda-se uma visita, quer seja para um piquenique, quer para uma refeição caseira no Ponte Velha.
Deixamos agora Barbeita e começamos a entrar no território vínico do Alvarinho por excelência. Daqui até ao fim da estrada (cerca de 18 km mais de um total de 25) a paisagem altera-se um pouco, com os vinhedos a dominarem claramente ambos os lados da estrada. Mas antes, referência a alguns (muitos, na verdade!) motivos de paragem: em Ceivães, no lugar da Valinha, tivéssemos nós água corrente e lavaríamos a roupa suja do lugar todo! Um verdadeira preciosidade, não acham?
Ceivães é aliás um local onde a estrada nos deixa a sensação de como foi um antigo centro de comércio. Quem viu o filme de animação Cars sabe que Radiator Springs perdeu a sua energia quando outras estradas se abriram; a Valinha, em Ceivães, perdeu para Monção na sua vitalidade. Ainda assim, registo para exemplos de arquitectura civil, em especial do Solar do Hospital (século XVIII) que guarda ainda o fulgor dos seus fundadores da Casa do Hospital, com ligações à Ordem do Hospital (século XIII). Hoje apresenta plantações de vinho Alvarinho e introduz, por isso mesmo, uma mudança importante nesta estrada.
Nada melhor do que acompanhar a segunda parte desta viagem que ainda agora começou. Esperem pelo próximo post com o troço entre Ceivães e Melgaço. Não se esqueçam da máquina fotográfica!