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"Espaço Memória e Fronteira", ou o reencontro com a resistência portuguesa

Pelo Alto Minho existem muitos tipos de museus: museus bonitos, museus simples, museus curiosos, museus que nos fazem regressar à infância intemporal como o Museu do Brinquedo Português, em Ponte de Lima. Nesta viagem que fiz pelos Territórios Românticos do Alto Minho, decidi visitar um museu que tem tanto de emocionante como de evocativo de memórias essenciais a quem quer conhecer a alma e o viver do minhoto: o Espaço Memória e Fronteira em Melgaço tem tudo isto e muito mais!



À entrada deste museu, que fica situado mesmo à entrada da Vila de Melgaço, somos saudados pela guia, a sorridente Salda Silva, que nos iria conduzir pelos dois andares do espaço bem cuidado, gerido pela Câmara Municipal de Melgaço. O seu sotaque não engana, é Melgacense mesmo, e sabia muitas histórias sobre as pessoas que estão nos documentos que estão criteriosamente organizados numa lógica que se percebe assim que se inicia a visita:


0 primeiro painel com um gráfico sobre os números da emigração guia-nos na viagem, e partimos do início do século XX e terminamos já no século XXI. Porque o fenómeno "emigração" é tão sinónimo de Portugal como é a "saudade", a "resistência" e "adaptação". O que faz este museu é desde o primeiro momento é retratar o fenómeno da emigração como "uma constante estrutural da sociedade portuguesa", que se percebe imediatamente pelas altas taxas de natalidade e pelas "profundas desigualdades sociais" que o país sofreu e sofre.

E compreendemos que a emigração esvaiu este país e este cantinho do Minho (leia-se Melgaço, Monção, Valença) desde antes de 1900, primeiro para o Brasil, depois para França, Estados Unidos, Canadá, legal e ilegalmente! O que nos espera é ,nem mais nem menos, um percurso cronológico que nos levará desde as os certificados médicos, processos de emigração, passaportes e arcas de pertences de gente que foi para o Brasil, até aos emigrantes a salto, os salvo-condutos, as carreiras e os comboios para a Gare de Austerlitz em Paris. Cada painel evoca memórias duras de suportar por aqueles que ficaram e para aqueles que partiram com a saudade nos olhos e nos gestos. Mas como povo que se adapta a tudo, encontramos provas da adaptação e integração dos portugueses nas comunidades de destino (França, Brasil, Estados Unidos). "Ainda bem que eles estão bem" deveria ser o pensamento de quem ficava.

Sim, quem foi queria sempre voltar! E é por isso que vemos no 2º. andar secções diferentes dedicadas à "casa tipo maison" bem como a vida como se vivia, em especial na França, que merece lugar de destaque, uma vez que foi para lá que a maioria dos emigrantes "saltou". Vemos também aqui uma selecção das músicas que se ouvia na época, com realce para a nossa Linda de Suza, a Simone de Oliveira - que falava de revolta- e outros artistas menores que se focavam na emigração. É possível reviver o vinil no próprio museu, embora disseram-nos que o dispositivo estava à espera de reparação, o que causou uma sensação agri-doce! Aspecto a melhorar, por favor, uma vez que proporciona um regresso ainda mais cinestésico ao passado!



Mas, e quem ficou, como fazia? O museu divide atenções entre aqueles que foram e aqueles que ficaram. E aqui entra uma das mensagens mais fortes que se recebe com a visita: a exposição consegue, de uma maneira simples, mostrar a vida cheia de privações, mas também de resiliência, astúcia, adaptação: o contrabando fica muito bem explicado com a ajuda dos painéis do 1º. andar e com uma das últimas batelas utilizadas no contrabando do Rio Minho.

A repressão era comum em ambos os lados da fronteira, com Guardas Fiscais a confiscarem o contrabando, com os Carabineiros espanhóis a fazerem repressão de várias formas, muitas vezes disparando a matar. (Veja o vídeo com sons da época, onde se distinguem ameaças e tiros)



As artes da dissimulação foram sendo refinadas ao longo das décadas. Salda, a nossa guia, contava como se passava gado de um lado para o outro da raia: passavam uma corda para cá, colocavam a vaca na batela e atavam-lhe os cornos à corda... e rezavam para que não se mexesse demasiado, caos contrário o Rio Minho acertava contas, não poucas vezes com o preço da vida dos contrabandistas. E tudo se passava, desde o mais simples produto hortícola ou os ovos, passando por outros produtos básicos como açúcar, arroz ou amêndoas e café, até aos "brincos" para o gado, todo o tipo de metais como o cobre, volfrâmio ouro e prata. Até carros e motores para a indústria, desmontados em peças que passavam pela calada da noite! É possível vermos réplicas desses materiais em 3 expositores e admirar os coletes usados para transportar café, bem como um torrador artesanal de café! Ah, e a justa homenagem a Ti Lelo (Aurélio) que cedeu a batela para o museu; este retribuiu com um belo poster dele a passar sacos de café, mesmo junto à sua embarcação. Imagem imortal.



O museu fica complementado por um auditório onde é possível assistir a documentários e filmes relacionados com a emigração. Melgaço tem sido um concelho pioneiro na atenção que dedica ao tema, e organizou já a terceira edição do Festival de Cinema "Filmes do Homem"; no Espaço Memória e Fronteira é possível ver alguns dos títulos exibidos no referido festival numa confortável poltrona, local ideal para se perceber da importância para a nossa identidade enquanto povo que a tudo resiste, por vezes pacatamente demais.


Perguntámos se era possível que este espaço recebesse turistas e escolas. Resposta positiva; não sendo o mais frequente público, os turistas em grupos organizados podem visitar o espaço com a ajuda de uma guia, o que se torna uma mais-valia importante para quem tenha sobre o tema apenas noções difusas. Salda explica-nos que o museu recebe cerca de 2000 visitas anuais. Eu acho pouco, tendo em conta a riqueza quer do espólio recolhido, quer da importância simbólica do mesmo. Com as devidas distâncias, o Espaço Memória e Fronteira evoca o humanismo que há em cada um de nós, de uma forma semelhante a visita à casa de Anne Frank em Amsterdão: percebemos a injustiça que existe nas ditaduras, o grito mudo que se dá,e é mudo porque existem olhos e ouvidos que nos tolhiam a voz! Vir a este espaço é reencontrar a alma humana e alegrar-se pelo facto de termos estado no lado certo da história!


Se quer visitar este excelente museu, saiba que está aberto no horário normal (9-12h/ 14-17h) , a entrada custa 1 Euro, fica situado mesmo à entrada de Melgaço, antes de se chegar ao centro histórico e - curiosidade irónica- ocupa as instalações do antigo matadouro, onde terão sido abatidos tantos animais que provinham de contrabando! Tem espaço para estacionamento (4 carros) mas pode sempre entrar pelo lado do centro da vila, deixando o carro junto ao Quartel dos Bombeiros ou Câmara Municipal.


Se desejar uma visita guiada, esta está disponível, embora tenha um custo acrescido ao bilhete e deverá ser marcada consoante a disponibilidade dos serviços. Uma óptima maneira de se perceber como é romântico este território!





































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