Ainda há canções de amor!
Dizia o Rui Veloso que "Já não há canções de amor / como havia antigamente/ Por não haver quem acredite". Pois tenho que vos dizer, caros leitores do nosso Alto Minho Romântico, que o bardo criado no Porto está mal informado! Eu estive num edifício, cujas histórias nos fazem novamente acreditar que o Amor existe! Venham ao palacete da Villa Idalina comigo e descobrir que momentos me fizeram voltar a acreditar no mais alto dos sentimentos.
Para quem conhece o local, este é provavelmente um dos edifícios mais míticos do Alto Minho: seja pela sua imponência, seja pela sua posição estratégica ou pela simetria da sua arquitectura, o palacete de um "torna-viagem" (emigrante português no Brasil que regressa milionário) de Seixas (Caminha) está no imaginário de muitas pessoas, em especial dos alto-minhotos. "Como será por dentro? Terá ainda tudo conservado? Será que vive lá gente? O que se consegue ver do cimo do torreão?" eram algumas das perguntas que eu próprio fazia, e que com a excelente recepção proporcionada por um dos anfitriões, o Andrés Carballo (neto da proprietária actual da Villa Idalina) tive o privilégio de ver respondidas.
A Villa Idalina surgiu na cabeça de um "torna-viagem", de seu nome Joaquim dos Anjos Costa, cuja família tinha as raízes em Seixas, mas que pela ruína do avô, se viu obrigada a procurar um novo começo no Brasil. E Joaquim foi mais um do clã a procurar a sua sorte do outro lado do Atlântico. No entanto, como o caminho mais difícil já havia sido trilhado pelos tios, o seu sucesso foi meteórico: saiu em 1888 (com 20 anos, provavelmente na clandestinidade), adquire o terreno que custou já uma soma astronómica em 1908 e vê o Palacete concluído em 1914! O nome para o edifício, Idalina, foi buscá-lo à sua segunda esposa, o arquitecto haveria de o melhor arquitecto do país, Ventura Terra, mas por este estar com muitas obras a seu encargo, acabaria por ser o seu discípulo Miguel José Nogueira Júnior, também ele de Seixas. Não sem antes o próprio Joaquim Anjos ter, ele próprio feito os seus projectos de arquitectura. Só à 5ª tentativa sairia esta obra d'arte!
Eu e o André não conseguimos imaginar quanto terá custado construir este... nem sabemos bem como classificar esta propriedade: para ele, que passou aqui todos os verões da sua juventude, a propriedade é uma casa de família, o ninho do amor familiar começado pelos avós, Don Adolfo e Dona Lolita, e que se mantém na sua família desde finais da década de 1960. Para mim, é o mais bonito palacete ao estilo brasileiro apresenta um grau de conservação tão próximo do original com mais de 100 anos que é impossível distinguir ambos! É que foi tudo religiosamente conservado: os móveis são os mesmos, a mesa da imponente sala de jantar a mesma, os tapetes, as cores das portas interiores lacadas, a bancada da cozinha em mármore, os vidros do torreão! A visita tornou-se uma viagem a um passado tão fantástico que é fácil imaginar-se uma personagem da época... Década de 1920! Loucos e chiques anos 20!
Seja nos azulejos e louças das casas de banho, seja nos tectos da sala de visitas (ricamente ornamentados com pinturas de anjos e estuques do mais fino recorte) ou no piano da sala de jogos ou talvez no requinte dos corrimãos em madeira, a impressão que se gera no visitante é a de que este é um espaço que preserva o viver de uma época áurea, e que se consegue facilmente entrar no espírito das pessoas que lá viveram originalmente. E esse é uma grande mais-valia da Villa Idalina, que mais do que um museu, apresenta uma faceta quase de santuário (algo que também existe na casa num espaço normalmente não acessível aos visitantes).
Pois bem, conta-me o Andrés que a compra da Villa Idalina pelos seus avós há quase 50 anos significou um acto de amor de ambos pelo Minho. Tantos outros galegos haviam cruzado o Minho para passear e, por certo se apaixonaram pelo estuário em Seixas. Estes dois vigueses foram especiais, não só pelo que trouxeram a Seixas, como também pelo facto de terem honrado a memória da família que construiu o palacete. Mantiveram a sua presença quer através de fotografias que se encontravam na propriedade, quer pela exposição de alguma louça usada na época (e da qual restavam apenas alguns exemplares como cristais da Boémia e faiança portuguesa), quer ainda por darem aos quartos os nomes de Joaquim Anjos, de Idalina, de Joaquim Anjos Júnior, Ventura Terra e Miguel Nogueira.
Este é, hoje em dia, provavelmente um dos alojamentos com mais carga simbólica romântica do Alto Minho. Sim, porque a Villa Idalina é actualmente um hotel com 7 quartos, estando a preparar-se mais 2 alojamentos para famílias no que eram a cavalariça e um espaço de armazenamento de cereais. Explica o Andrés que a decisão que tomaram há cerca de três anos em abrir a Villa Idalina ao público não foi fácil, mas considerando o amor que têm pelo palacete, pareceu a única solução para manter intacto o espírito e a conservação do mesmo nos mesmos moldes que André e a sua família se haviam habituado a desfrutar do espaço. E em boa hora o fizeram, pois as reacções dos hóspedes não podiam ser mais positivas, a julgar pelas sensações registadas no site Booking, a única plataforma onde anunciam o alojamento.
Impressiona, por isso, ver que os espaços, todos eles, estão impecavelmente tratados. A casa cheira bem, tem um aspecto de novo, apesar de se perceber que estamos num outro século.
Quer no interior, quer no exterior vê-se o extremo bom gosto do proprietário e mentor do Palacete Villa Idalina: o telhado de beiral com as consolas em madeira, os frisos de azulejos de Art Nouveau, o jardim e o caramanchão, uma pequena gruta, a preocupação com a higiene e o bem-estar corporal (claramente visível na existência de um banho escocês e de banheiras em várias casas de banho) mostram uma concepção da casa com uma elegância invulgar para a altura.
Fazendo jus ao espírito da construção original, conta o André que decidiram (sim, ele e a Susana, a sua companheira, que em conjunto fazem a gestão da propriedade) a inclusão de uma casa de banho no primeiro andar, onde a banheira, virada para o Minho promete sensações ... únicas. Aposta ganha! Dificilmente haverá lugar mais... inspirador!
Villa Idalina é um daqueles lugares que nos faz voltar a acreditar: seja na necessidade de nos afirmarmos enquanto pessoas que partem do zero e chegam ao topo; ou na existência de sonhos que se realizam, como no caso de Adolfo e Lolita, que se apaixonaram pelo Minho e aqui viveram muitos momentos felizes, por certo; na paixão com que Andrés e Susana se esmeram por manter impecável uma herança da avó Lolita (que tem 95 anos feitos há pouco), tendo eles profissões que nada têm que ver com a hotelaria.
Para quem dizia que já não há canções de amor, bom, isso é porque não conhece a Villa Idalina!
Boas andanças!